Dos livros que dele li, um há que ocupa na memória lugar de privilégio: A Jangada de Pedra - quando a Península Ibérica solta-se do resto da Europa e navega pelo Atlântico e os hotéis do Algarve, despidos de turistas, são ocupados pela massa anónima do povo “... as pessoas estão a querer ocupar os hotéis, dizem que se não há turistas eles precisam das casas... Um hoteleiro, porventura com a mente perturbada, ou subitamente convertido aos interesses populares, abriu de par em par as suas portas, dizendo, Entrem, entrem, antes vocês que o deserto...A Europa, ao saber das alarmantes notícias, começou aos gritos, Anarquia, Caos Social, Atentado à Propriedade Privada, e um jornal francês, dos que formam a opinião pública, titulou sibilinamente a toda a largura da primeira página, Não Se Pode Fugir À Natureza... a única excepção ao condenatório coro veio daquele pequeno jornal napolitano e maquiavélico que anunciou, Resolvido o problema da habitação em Portugal e Espanha.”
José Saramago é daqueles homens que ao contar os dias pelos dedos encontrará a mão cheia.
talvez agora, depois da sua morte, se faça justiça à sua obra e ao seu estatuto de Grande Homem. Apesar do Nobel e do reconhecimento internacional, uma boa parte do país sempre olhou com desconfiança, inveja e incompreensão para Saramago. A estéril discussão à volta de "Caim" assim o mostrou. Quanto tempo, agora, para Portugal ver nascer alguém que toque tão fundo nas palavras? Antes dele, lembro-me apenas de Pessoa, Eça, Gil Vicente e Camões. Há muitos mais, claro, que muito fizeram pela nossa língua, mas não tanto como Eles. Saramago é uma daquelas figuras que , na melhor da hipóteses, aparecem a cada 100 anos.
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