domingo, 28 de novembro de 2010

Pioneiro do romance português era natural de Faro

Chama-se Guilherme Centazzi e é o pioneiro do romance português no século XIX, revelou o escritor Pedro Almeida Vieira, autor da primeira base de dados sobre obras de literatura portuguesa do género histórico.

Ao coligir informação para a sua base de dados que inclui "romances, novelas, contos e narrativas, bem como ensaios históricos que, pela sua abordagem, possuam alguns aspetos ficcionais", o escritor - ele próprio autor de romances históricos, como "A Corja Maldita" e "Nove Mil Passos" (a obra de estreia, agora revista e reeditada pela Sextante) - deparou-se com vários títulos do autor nascido em Faro em 1808, filho de pai italiano e mãe espanhola, publicados antes das primeiras obras dos que são considerados os primeiros romancistas portugueses: Alexandre Herculano e Almeida Garrett.

“Carlos e Julieta, ou Um Quadro Moral da Vida Humana" terá sido o primeiro romance publicado por Guilherme Centazzi, em 1838, cujo único exemplar foi descoberto na Biblioteca Nacional, em estado de conservação "bastante sofrível", por Pedro Almeida Vieira, que o classifica como um "'dramalhão', muito típico dos primórdios do romantismo".

Uma década depois, Centazzi reformulou a obra, mudando personagens e grande parte do enredo, com o romance "Beatriz e o Aventureiro", em cujo prólogo refere que escreveu "Carlos e Julieta" aos catorze anos e que a edição foi feita por um amigo que lhe levara o manuscrito emprestado.

Fugido de Portugal devido às suas opções liberais, Guilherme Centazzi foi para Paris, onde se formou na Faculdade de Medicina.

Não existem, segundo Pedro Almeida Vieira, dúvidas quanto à sua nacionalidade portuguesa, "que nos seus escritos assume com paixão", e quanto à sua origem algarvia, embora apenas tenha vivido em Faro os primeiros anos.

Regressado em 1834 a Lisboa, exerceu medicina, área em que publicou vasta obra, destacando-se títulos sobre os benefícios da ginástica, a higiene e a saúde profilática.

Foi agraciado com a comenda de cavaleiro da Ordem de Cristo pela ação durante a epidemia de febre-amarela dos anos 1850 e inventou os rebuçados peitorais "Dr. Centazzi", fabricados até meados do século XX.

Ainda antes do exílio, quando estudou na Universidade de Coimbra, dedicava-se já também à literatura e à música (compôs para piano e canto), tendo publicado nessa altura, em 1827, um livro de poesia.

Em 1840 e 1841, publicou um novo romance, em três volumes, intitulado "O Estudante de Coimbra", em que misturou "de forma inovadora para a realidade portuguesa, o género biográfico, pontuado de relatos picarescos, romantismo e realismo", explica Pedro Almeida Vieira.

O escritor sublinha que "esta obra foi publicada quatro anos antes da edição do primeiro romance de Alexandre Herculano ('Eurico, o Presbítero') e cinco anos antes do primeiro volume do primeiro romance de Almeida Garrett ('O Arco de Santana'), o que posiciona Centazzi como pioneiro do romance português.

"De modo (talvez) surpreendente, Guilherme Centazzi mostra um excecional domínio da escrita (incomparável ao mostrado em 'Carlos e Julieta' e 'Beatriz e o Aventureiro'), utilizando recursos estilísticos inovadores - e mesmo contra-corrente - na literatura portuguesa", sustenta o autor desta descoberta.

Guilherme Centazzi foi o primeiro romancista português traduzido no estrangeiro, embora ignorado pela elite nacional da época e ausente de quaisquer estudos sobre literatura nacional: em 1844, foi publicada em Leipzig a tradução em alemão da sua obra "O Estudante de Coimbra, ou Relâmpago da História Portugueza", sob o título "Der Student von Coimbra", pelo editor H.B. Hirschfeld.

O mesmo romance foi, em 1848, alvo de uma extensa recensão de mais de dez páginas no Fraser's Magazine, pelo conceituado crítico escocês Thomas Carlyle.

Segundo Pedro Almeida Vieira, não existe em qualquer biblioteca portuguesa um exemplar desta tradução, mas recentemente foi vendido um numa leiloeira em Pforzheim, desconhecendo-se o preço alcançado.
(Noticia: Observatório do Algarve)

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